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BENEDETTA + MEMORIA

Atualizado: 10 de fev. de 2022

Quando observamos os grandes filmes do cinema pandêmico (sejam sucessos de público ou aqueles destrinchados e debatidos infinitamente na internet), é perceptível que a grande maioria destes são blockbusters baseados em algoritmos, sequências de grandes franquias e filmes “prestigiosos” feitos para serem premiados e amplamente aclamados. Não é à toa. Além de já ser o caminho que estava sendo traçado há algum tempo, a pandemia exacerbou esse domínio com a necessidade mais urgente de obras com apelos mais óbvios. Nessa imensidão de obras fadadas à efervescência momentânea e, provavelmente, o esquecimento com o tempo, existem algumas exceções. E duas das principais são dois filmes altamente autorais e, cada um à sua maneira, provocativos e fora da curva.


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Estes são Benedetta, de Paul Verhoeven, e Memoria, de Apichatpong Weerasethakul. O primeiro segue a linha esperada de seu realizador - sexo e violência como meio para crítica. Nada de novo para o holandês Verhoeven, que já fez o mesmo com Robocop, Vingador do Futuro, Instinto Selvagem, Showgirls, Elle… Os alvos são sempre as grandes instituições e relações de poder interpessoais, mas as obras nunca são discursivas ao excesso. Pelo contrário, são mal vistas por muitos como meros exploitation ou filmes de estúdio enlatados devido a sua estética ser pautada no cinema B e de gênero (que, esclarecendo, não possuem nada de ruim). Neste sentido, Benedetta talvez seja seu filme mais óbvio. Seus temas são trabalhados de maneira clara e direta, raras vezes não o achamos utilizando-os como subtexto. O filme narra o relacionamento lésbico entre as freiras Benedetta e Bartolomea em um convento durante a peste negra. Se a crítica à hipocrisia e poder da igreja católica é frontal, o estilo do filme também o é. Decapitações sangrentas e nudez explícita são constantes em Benedetta, mas conseguem não ser sua maior fonte de choque e afastamento do “bom gosto” artístico. As minúcias de tais aspectos desviam ainda mais o filme dos seus contemporâneos de maior sucesso - filmes para toda a família e filmes para vencer premiações ultrapassadas - a nudez e o sexo não se satisfazem com si mesmos. Uma estátua sagrada da Virgem Maria também faz parte do ato. Para a violência, o mesmo. Quem brande a espada que faz jorrar litros de sangue é uma figura de Jesus saída diretamente de um filme brega dos anos 2000, o que faz todo sentido se considerarmos que ele é, no filme, uma visão idealizada na mente da protagonista. Benedetta é uma obra que causa furor. Seus pontos de argumentação sobre os temas tratados podem ser óbvios e ausentes de grande complexidade, mas a pura ira e honestidade de seu material escrito e filmado torna o filme de Verhoeven parte de um seleto grupo de longa-metragens no contexto cinematográfico atual.


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Memoria, do tailandês Apichatpong Weerasethakul, se distingue de seus contemporâneos de outra forma, bem mais complexa mas igualmente (e positivamente) provocativa. É um filme difícil não pela temática ou por atiçar tabus, mas por possuir um estilo ímpar. A obra acompanha a protagonista Jessica, uma Escocesa que possui um orquidário na Colômbia, numa jornada física e psicológica para descobrir a origem de sons inexplicáveis que tem escutado com constância. O cineasta aborda esta trama através de planos abertos e longos, que duram minutos a fio, oferecendo ao espectador uma posição ativa na qual deve-se observar e destrinchar as imagens sem a ajuda do corte ou de planos fechados. Não bastasse o papel participativo já atípico, tal característica estética/narrativa do filme o põe num estado de contemplação máxima. A experiência é inegavelmente maçante e exaustiva, mas acaba se tornando extremamente eficiente ao nos tocarmos que estamos sendo postos no mesmo estado mental da protagonista interpretada por Tilda Swinton - frustrada, confusa e adentrando às cegas um caminho misterioso repleto de possibilidades. E é aí que está a grande força de Memoria. Ritmo e estrutura que, juntos, criam uma experiência ao mesmo tempo impenetrável e profunda, difícil mas recompensadora. Tudo isso elevado por seu final bombástico (algo raramente relacionado a esta forma de cinema) que causa todo tipo de reações imagináveis - satisfação, confusão, choque, emotividade… uma construção textual e visual surpreendente que ganha ainda mais força após a dilatação temporal vinda antes. Memoria é um filme que se abre para ser tanto amado quanto odiado, inclusive ambos ao mesmo tempo, mas inegavelmente é uma das experiências cinematográficas mais únicas dos últimos anos.


Num momento difícil para o cinema como o que estamos vivendo, seja financeira ou criativamente, é importante que obras ímpares como Benedetta e Memoria tenham chance de serem vistas e se tornarem parte do discurso cinematográfico atual. Goste ou não, são um sopro de ar fresco. Provocações que não se limitam a tal característica, mas que fazem sentir e pensar, e que mesmo em seu incômodo nunca são indiferentes.


Benedetta está em exibição nos cinemas e Memoria chega em breve na plataforma digital MUBI.



Por Matias Vaisman


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