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O MENSAGEIRO TRAPALHÃO E A GENIALIDADE DE JERRY LEWIS POR TRÁS DAS Câmeras


Jerry Lewis e a famosa cena da orquestra invisível no filme O Mensageiro Trapalhão


John Ford, Akira Kurosawa, Ingmar Bergman, Stanley Kubrick, Billy Wilder, Federico Fellini, Luchino Visconti, François Truffaut, Yasujiro Ozu, Mario Bava, Elia Kazan, Fritz Lang, Michelangelo Antonioni... Poderia ser uma lista dos grandes cineastas de todos os tempos, mas são apenas alguns dos que lançaram filmes no ano de 1960. Além destas, duas outras obras ícones do cinema também estrearam neste mesmo ano. “Psicose”, de Alfred Hitchcock, sempre presente na discussão de melhores filmes da história e ícone cultural. Na França, um jovem Jean-Luc Godard estreou como diretor de longa-metragem com “Acossado” - para muitos, a obra que dividiu o cinema entre clássico e moderno, e uma das mais influentes já feitas.


Porém, o filme mais radical lançado no grandioso ano de 1960 foi, curiosamente, produção de um grande estúdio americano, o Paramount. Escrito em apenas uma semana e com um cineasta de primeira viagem por trás das câmeras, o longa-metragem foi contra tudo que era padrão ou senso comum no mercado cinematográfico da época (e até hoje). Talvez não possua a mesma fama e aclamação que os outros citados justamente por ser ainda mais disruptivo, chocante e louco (não moderno, pois tal vanguardismo até então não foi experimentado novamente pelo cinema popular). O filme é “O Mensageiro Trapalhão” e seu diretor, a lenda da comédia, Jerry Lewis.


O longa começa com um falso produtor (mas que não deixa de ser a representação de produtores da Paramount) anunciando ao público que o filme prestes a ser assistido não é algo cotidiano. Não possui trama ou história. Não é de terror nem de gangsters, romance ou épico. Não é como nenhuma outra obra feita pelos grandes estúdios, nem mesmo as outras comédias. Segundo o personagem do produtor, é um filme pautado na diversão e “um pouco diferente”. Após a breve descrição, o produtor tem um ataque de risos descontrolado. Tal abertura já é por si só atípica e, de certa forma, uma pequena demonstração do que está por vir.


“O Mensageiro Trapalhão”, conforme dito na abertura, não possui uma trama, apenas uma premissa — o dia a dia de um bellboy em um hotel/resort luxuoso. O filme se divide em esquetes com uma fina linha que as conecta, a do espaço e das figuras nele presente. A partir disso, o hotel se torna um playground para Jerry Lewis explorar tanto como cineasta quanto como ator. Playground porque de fato é um local de brincadeiras com o corpo, Lewis constrói a base de seu humor na fisicalidade. Inclusive, seu personagem não possui falas até a última cena, tornando suas ações ainda mais significantes — não existem apenas como si mesmas, são também sua personalidade e expressão. Stanley, o personagem de Lewis, é à sua maneira um ser anárquico. Uma figura de caos e disrupção em meio um universo contrastado entre luxo e dever.


Tal característica tão inesperada e surpreendentemente bem realizada por um cineasta iniciante não é acaso (a geometria capturada pela câmera de Lewis nos espaços cria um mar de possibilidades de destruição e imaginação). Alguns dos melhores de seus filmes como ator, antes e depois de se tornar um cineasta, foram nas mãos de Frank Tashlin — “Ou Vai ou Racha”;” Artistas e Modelos”; “The Geisha Boy”; “Bancando a Ama-Seca”... Tashlin foi um grande cineasta de comédias nos anos 50 e 60, algumas desde já flertando com o surrealismo e a ausência de lógica humana. Foi o principal mentor do Lewis diretor. Porém, não apenas com essas obras que fizeram em conjunto. Tashlin, antes de rumar ao cinema, foi diretor de diversos cartoons dos Looney Tunes — estes, existentes dentro de uma realidade própria, onde as regras da física e as separações entre mundo/obra/personagem/criador são apenas elementos temáticos e formais a serem quebrados. Tais cartoons são possivelmente o que mais se aproxima da obra de Lewis como cineasta.


E é a partir desta ausência de limites entre arte, artista e público explorada pelos desenhos, que Lewis desenvolve um dos aspectos que mais se aprofundou ao longo de sua filmografia, para além do caos físico e espacial pelo qual ficou tão conhecido — a metalinguagem.


Não bastasse a desconstrução estrutural e destruição caótica de qualquer aspecto clássico, “O Mensageiro Trapalhão” também é extremamente autoconsciente de sua existência como obra cinematográfica. Desde questões temáticas, como o “verdadeiro” Jerry Lewis se hospedando no hotel, até aspectos formais, como uma foto tirada pelo personagem mudar a ambientação do diurno para o noturno, ou um corte revelar algo fisicamente impossível de ser feito dentro do tempo existente entre duas imagens.


Metalinguagem, exploração do cenário como um set de filmagens livre de limitações, ausência de estrutura e desenvolvimento clássicos… todas essas características, exploradas aqui pela primeira vez por Lewis, tornaram-se recorrentes em sua carreira como cineasta. “O Terror das Mulheres” e sua casa de bonecas em tamanho real, a ambientação de sets de filmagem em “Mocinho Encrenqueiro”, Jerry interpretando um comediante em “O Otário” e seu último filme como cineasta, “As Loucuras de Jerry Lewis” — uma sessão de terapia surreal que inicia com seu personagem tentando cometer suicídio.


Jerry Lewis é visto por muitos como um comediante datado, com um humor bobo de caretas e comportamentos infantis ausentes de sutilezas, uma comédia que só funciona com crianças ou velhos. Porém, há também quem perceba sua genialidade para além de uma visão superficial. Na França, é considerado um dos maiores gênios do cinema, discípulo de Buster Keaton e Charles Chaplin. Um cineasta que desconstrói o meio cinematográfico e sua própria persona, que através de suas atitudes aparentemente simplórias realizou os que são, sem dúvidas, os filmes mais radicais e fora da curva do período clássico de hollywood e , possivelmente, o mais disruptivo de todos os cineastas não independentes de todos os tempos.



Por Matias Vaisman



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