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SUBMERSÃO EM TAIPEI: Ficções e realidades se diluem na vida urbana

Atualizado: 10 de fev. de 2022


Kǒngbù Fènzǐ - Terrorizers (1986)

Direção: Edward Yang

Roteiro: Heiao-Yeh e Edward Yang

Fotografia: Chang Chan

Montagem: Liao Ching-song

Som: Weng Xiaoliang

Duração: 110 min



Terrorizers é um filme sobre vidas urbanas, econômico em seu roteiro, que apresenta histórias da cidade de Taipei nos anos de 1980 a partir das eventuais interações entre três grupos de pessoas. O longa de ritmo lento toma seu tempo para apresentar ao espectador fragmentos de realidade a partir da filmagem persistente em belas e criativas cenas que constroem a atmosfera de uma vida urbana que, em contraste com as comuns representações animadas e cheias de vida das grandes metrópoles, se torna estática pela perspectiva da imensidão e da multiplicidade de vidas que se relacionam externamente entre si. As perspectivas particulares sobre a vida e as ficções de cada um parecem concorrer com um movimento geral homogeneizador, sentimento bastante explorado pela direção de Edward Yang e presente em múltiplos aspectos da obra.


As diferenças e interferências entre ficção e realidade são temas que o filme aborda constantemente e que se manifestam mais claramente ao longo do desenvolvimento da personagem da escritora. O casamento monótono em que se vê já há três décadas serve de inspiração para a novela que escreve há anos e está a ponto de terminar. Da relação com seu marido, um médico que busca um estilo de vida tradicional e que se dedica inteiramente ao trabalho, emergem conflitos que se apresentam somente a ela. Junto a isso, um bloqueio criativo às vésperas da entrega de seu livro desperta também diversas inseguranças quanto ao modo como vive sua vida, fonte maior de inspiração para sua obra, e então surgem diversas questões a respeito da visão de realidade de cada um, que acirram o conflito já posto. Enquanto a escritora, normalmente tida como figura imaginativa, dá sentido a sua vida a partir da reflexão que faz em sua obra e constrói uma noção concreta de realidade, seu marido parece não ver o mundo como ele é e tende a interiorizar uma realidade que não é a dele, problema que se desenvolve ao longo da trama.


O filme trata também de outros dois principais personagens, que são postos em contato na primeira cena do filme, uma investida da polícia contra membros de uma gangue em um apartamento que ocorre no raiar do dia. Durante a fuga, uma jovem envolvida com a gangue escapa por pouco, se machucando, enquanto um jovem fotógrafo a segue com suas lentes, se tornando cada vez mais interessado em sua figura. A partir daí as vidas de todos começam a se relacionar de algum modo, e os poucos encontros são movidos principalmente pelo acaso. O ritmo dos acontecimentos proposto pela direção de Yang, juntamente a trama dispersa e econômica que se aproveita dos momentos de marasmo para criar a atmosfera desejada, é muito impactante e tem seu ápice no final do filme, quando o espectador já está imerso no fluxo dos eventos.



As histórias se passam em diversos lugares da cidade e a atenção principal é dada aos ambientes domésticos. Ainda assim, o modo como as cenas externas parecem em sua maioria se passar nos momentos mais ambíguos do dia, durante a alvorada e no crepúsculo — quando a cidade moderna se encontra em estado de transição — é condição fundamental para a história. Ruas vazias na manhã, cujos distúrbios, apesar de marcantes como o tiroteio no início, não parecem ser mais do que instantes de sons abafados de tiros que logo retornam a letargia, ou cheias de cansaço à tarde, quando as pessoas vão de encontro ao refúgio de suas casas, são as visões que compõem o que há de coletivo no espaço urbano onde habitam os personagens.



O espaço doméstico, por sua vez, é representado de forma bem particular. O que muito chama a atenção é o modo como se dá a iluminação dos espaços, escolha fundamental que aqui desempenha papel importante, pois transforma os ambientes drasticamente. O pouco que se tem de luz nas salas ou quartos escuros que conformam os cenários parte de duas principais fontes. Ou é uma luz muito difusa que entra pelas janelas e pelos grandes planos de vidro que dão para as sacadas, que realçam o distanciamento entre o espaço doméstico e o urbano, levado ao extremo com a intervenção do fotógrafo no apartamento alugado e também muito indicado pelas cenas das cortinas ao vento. Ou são focos de luz incandescente amarelada de luminárias, instrumentos de trabalho que, quando associadas às ações de leitura, escrita ou manipulação fotográfica, nos remetem à esfera interior dos personagens, seus rostos ganham destaque conforme submergem em suas reflexões, com particular relevância na história do jovem fotógrafo e da escritora.


A apresentação dos ambientes por meio da fotografia de Chang Chan é responsável pela criação de atmosferas nas quais os personagens habitam e que elevam a aparente necessidade da construção das suas realidades particulares. Os planos longos das cenas, das paisagens da cidade, dos espaços interiores, dos detalhes, todos parecem tomar seu tempo e convidar a um tipo de dissociação meditativa. Menos que carregar significados ou levar o espectador a sentir algo específico relacionado ao desenrolar dos fatos objetivos da trama, a filmagem deixa em aberto para a percepção a possibilidade da associação livre e, também, como as composições que apresentam os cenários são tão constantes ao longo de todo o filme, raramente se repetindo, há certo ar de dissolução do cotidiano no modo como se distribuem. A bela visão etérea que se desmancha conforme a próxima chega pode sempre se bastar fora dos contextos específicos em que é apresentada e pode também, com isso, servir de plano de fundo para a vida urbana particular de qualquer um.




Por Antonio Braga



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